Numa das muitas voltas que a vida
dá, me peguei um dia, pensando seriamente no quanto eu desperdicei esforços em
fantasias e máscaras que não traziam nenhum resultado mais concreto para mim,
apenas eram usados em momentos criados para disfarçar ou amenizar uma ou outra
situação. Fosse uma situação de vulnerabilidade, de desconforto, algum
artifício para não deixar nenhum assunto tomar uma conotação ou mesmo uma
denotação equivocada, de evitar uma invasão de privacidade, também disfarçada
de respeito próprio. Usei disso para evitar qualquer situação constrangedora ou
que me forçassem a adotar uma postura ou fazer algo que ia de encontro com a
minha vontade naqueles momentos em que eu preferia estar sozinho comigo mesmo sem
os tais disfarces. Foram muitos esses momentos. Em família, no trabalho, em
rodas sociais. Foram tantas que até mesmo quando estava comigo mesmo eu me
consultava sobre a verdade daquele sentimento. Confesso que em momentos eu
usava tais artifícios deliberadamente, me sentia confortável com essas armas em
mãos. Confesso que durante um bom tempo não revi meu sistema de defesa, nem mesmo
o aprimorei. Deixei-me estagnar nessa zona de conforto. Mas o tempo passa. E mesmo
com meu aprendizado tardio, acordei a pouco e resolvi limpar o baú dessas
fantasias. Tirar o excesso de peso das lembranças de alguns momentos. Resolvi
estar mais comigo mesmo. E me vi sozinho! Eu, que tantas vezes escolhi ficar
sozinho para ficar comigo mesmo, sem ter que carregar essa ou aquela “fantasia”,
de repente me vi sozinho, verdadeiramente nu. O frio da falta daquela roupagem
bateu forte. A projeção daquela situação deu medo, pois eu tinha escolhido não
carregar mais nada. Então, dividir o que e com quem? Estava cansado de me
testar, de fugir, de me apoiar em prazeres fugazes, doloridos até,
completamente vazios. Tão vazios quanto sentia meu estômago e me sentia sem o
peso daqueles disfarces. Tirei tudo de uma vez só que me peguei num quarto
escuro, frio, sem roupa, sem assunto, sem projeção, sem ação. No meu coração, sempre
tive a velha convicção de que uma vida não poderia ter aquele destino
solitário. Sempre soube que eu tinha capacidade e possibilidade de não me
sentir solitário, como muitas vezes senti quando saia e me sentia sozinho mesmo
no meio de uma multidão. Por outro lado, movido por essa convicção, eu ainda
fazia coisas que muita gente me confessava não ser capaz de fazer sem estar na companhia
de outra pessoa. Mas eu pensava nesses momentos que se eu não fizesse daquela
forma, não faria de jeito algum. Um sentimento egoísta, eu sei, mas eu estava
pensando no meu bem-estar sem estar passando por cima de ninguém. Eu sempre
quis encontrar alguém com quem pudesse ser eu mesmo, com todos os meus defeitos
e virtudes, com quem pudesse falar do meu jeito repetitivo, explicadinho ou
mesmo irônico, curto, seco às vezes, gaguejado ou mesmo sem rodeios, direto ao
ponto. Alguém com quem eu pudesse dividir as mesmas experiências, ainda que
tendo que lidar com fantasmas do passado e resquícios que esses anos todos de
disfarces e armaduras deixaram. Curioso que procurei ser diferente, sendo que
eu já era diferente por ser único, por ser eu mesmo, assim como você é. Eu me
permiti a recomeçar algumas situações e reviver sensações. Resolvi abraçar um
sentimento que eu já tinha dado como certo que jamais se repetiria e que me deixaria
levar por ele. Me permiti e acabei acordando, diante de uma real e nova
possibilidade, diante um outro universo diferente do meu em muitos pontos, mas com
muitas coisas em comum. Ainda bem que não deixei passar essa oportunidade e
acatei entrar naquela porta aberta pouco tempo atrás e redescobrir esse
cenário. Encontrei quem também se despe, quem tem um histórico de altos e
baixos, quem se permitiu moldar por isso e sabe olhar para si mesmo, confiante
de que mudanças são possíveis. O meu eu desnudo encontrou o seu eu também
desnudo e, dessa forma, estabelecemos um contato real e verdadeiro, onde não
apontamos os erros um do outro, falamos de nossas histórias, de nossos pontos
de vista, agimos e reagimos naturalmente às situações. Rimos, gargalhamos,
choramos, conversamos muito, pensamos bastante, enfim, movimentamos um
sentimento igual, cúmplice, recíproco, em que se aprende, que se ensina, que se
descobre, que se descortina, que dá embasamento, que reforça, que se valoriza,
que se percebe serem sentimentos iguais, de bem querer, de fazer o bem a si
mesmo e ao outro. É um encontro de almas nuas, envolvidas nos mais diversos bons
sentimentos e o enorme desejo de vivê-las em conjunto, de produzir coisas boas
sempre e se permitir crescer envolvidos por elas, e poder se unir sem deixar de
ser único. Hoje me vejo nu na frente do meu espelho e não me envergonho! Sei
ver umas imperfeições e outras que são o preço que eu pago por escolhas minhas.
Sei ver que alguns sentimentos em mim são pequenos e que não levam a nada, mas
que ainda tenho que depurá-los e tenho outros tantos reconhecidamente bons que
precisam ser compartilhados, divididos. Mas não me vejo sozinho como se fosse o
único a buscar tal mudança. Não me vejo sozinho, pois o ambiente está mais
claro. Já não caminho sozinho pois tenho boa companhia e aceitei a proposta de um
longo caminhar juntos. Um caminhar sem o peso desnecessário de muita coisa, um
caminhar de construção e reconstrução, um novo caminhar.