Era uma banda. Uma usina não só
de som, mas de muitas ideias, teorias, de muitos amigos com participações
colaborativas fundamentais para o desempenho dessa trupe. Rodávamos muito pelo sul
de Minas, em locais escondidos mesmo para o GPS. Cidades em que mapa mais
lembra um jogo da velha: duas ruas na vertical com outras duas na horizontal
cruzando e uma praça no meio. Era comum brincarmos e dizer que essas cidadezinhas
pareciam fantasmas, pois não havia muita gente pelas ruas, mas na hora do
baile, o povo brotava do nada, como se fosse geração espontânea, lotavam os
salões e praças. Muita coisa acontecia! Muita mesmo! A banda era boa, tinha seu
próprio e novo equipamento, uma galera cheia de vontade de acertar e fazer seu
melhor, aproveitando-se daquela experiência única, rica. Tinha até um ônibus
próprio, a nave! A gente se sentia meio extraterrestre em algumas ocasiões. Surreais
até! Éramos de lugares distintos e tínhamos muita história para contar. Tínhamos
um líder, um chefe, que realizava ali um sonho próprio com seus recursos,
realizava-se através de cada um e seus filhos, de sangue e os adotados de
coração. Ele continua vivo em nossos corações e lembranças. A gente se sentia
tão confortável quanto em nossa casa! Cada ensaio era uma aula, uma diversão,
um compromisso! Cada apresentação era um trunfo, uma realização! Cada viagem
era uma meta a ser atingida. Tínhamos uma liberdade de ideias e a gente
expressava tudo isso! Tínhamos uma tal permissão para tal. Rir era sempre o
melhor remédio até mesmo quando tomávamos calote de pseudo empresários ou
quando fazíamos apresentações para meia dúzia de público, sendo que pelo menos
4 desses estavam conosco na viagem. Tínhamos momentos de superstar quando nosso
ônibus era cercado nas proximidades do baile. A gente se sentia. É bom se
sentir. Brincar de pop star por breves minutos. Eu rio disso! Vivíamos com papéis
nas mãos, algumas fitas k7 na mochila, muitas pilhas e o indefectível walkman,
coisas dos anos 90. Éramos a atração principal daquelas noites de baile, mas
também éramos roadies de nós mesmos. E quanta viagem fizemos e quantas outras
proporcionamos. Digo isso porque a música é meio de transporte! A gente se
intimidava com aqueles gritos da fila do gargarejo quando dávamos os primeiros
acordes das músicas sucesso da época. Locutores de festa anunciavam a banda
cheios de figuras de linguagem e superlativos. O durante era quando tudo acontecia,
pois, o baile já tinha um roteiro e repertório pré-definido. Pelo menos quatro
horas em que a gente focava na melhor maneira de fazer aquele som. Nas viagens
rolavam muitas brincadeiras e, claro, muita pegação no pé. A gente tinha uma
cantora na banda, grande amiga até hoje e que naturalmente era assediada pelos
bebuns de final de baile para conhecê-la. Eles chegavam na gente e perguntavam
se poderiam conhecer a cantora e nosso disfarce – para poupar a amiga desses
bebuns chatos – era dizer que tinha que pedir permissão para o “noivo” dela e
apontávamos o primeiro colega que estivesse por perto. Colava! Em outras
ocasiões em que o cansaço tomava conta e para resumir tudo, éramos uma só família,
todo mundo parente de todos. A receptividade nos locais era muito gentil e a
gente procurava de toda forma retribuir. Procurávamos saber qual era a música
preferida do dono do clube ou do pessoal do restaurante e oferecia para eles na
hora do baile. Anunciávamos o aniversário de alguém envolvido na realização do
evento ou mesmo atendendo pedidos. Em muitos casos, bem atípicos diga-se,
elogiava-se carne de frango pensando que era peixe da região! Foram muitas
situações hilárias: choques de algum equipamento mal aterrados, movimentação
estranha do palco, tombos por causa da glicerina da máquina de fumaça que esparramava
no chão, microfonada na boca provocada por uma tábua mais solta, sustos com
lâmpadas que estouravam nos canhões de luz, preocupação em avisar, de modo nada
discreto, o iluminador para jogar uma luz melhor para poder acompanhar a letra
da música na pasta. Brancos de memória eram companhia comum de todos, sem
exceção. Em apresentações mais nervosas, o erro em entrar no tom correto e
ensaiado da música era garantia de uma pegação geral na viagem de volta. Pior
que gravavam e faziam disso uma leve tortura chinesa na viagem de volta. Cantar
Beatles 200 tons mais baixo, Inventar Ilariê, embromation de puro sotaque inglês,
tombo do baterista que virou o banquinho ou mesmo levar uma baquetada nas
costas acidentalmente durante o baile. Cantar sem retorno de som, descobrir que
o clube alterna, sem qualquer aviso, a voltagem do salão depois de determinado
horário, discutir com a tal famosa cantora (pero no mucho) quando os showmícios
eram permitidos, roubar laranja de alguns quintais nas cidades pequenas, vestir
muita roupa nos invernos rigorosos, esquecer de levar o kit de higiene na
bagagem (sabonete, shampoo, escova e pasta de ente, desodorante, etc.). Fazer
firula com público já animado com as performances do palco. Quando se ganha a
plateia, qualquer hurra a mais e motivo de palmas. Estrear microfone sem fio e
ir cantar no salão ao lado dos casais dançando na pista. Socorrer o guitarrista
quando uma das cordas arrebentava. Ouvir muitos elogios pela performance da
banda: O melhor de todos! Valia qualquer centavo e até mesmo passar a noite
dentro de um carro quebrado numa estrada vicinal pouco utilizada enquanto se
espera (ou vai atrás de socorro). Sem contar a coruja que pousa no capô do carro
ou o cachorro que lambe o pé prá fora da janela enquanto o socorro não vem!
Depois ficamos sabendo que quem correu atrás do socorro teve que pular muro,
arrebentar um varal e fugir de cachorro na tentativa de acordar um amigo que
ali morava. A chuva nos deixou,
literalmente, ilhados numa festa de rua de um bairro afastado (zona rural
mesmo) de uma pequenina cidade por três dias. Uma vez fomos tocar num clube de
3 andares, um clube que tomava todo um quarteirão cujo salão de festas era o
último andar e não havia elevador. A vista do salão para a cidade era bem
legal, mas o vento não
deixava parar quase nada de pé. O teto mais baixo
obrigou a iluminação a partir do chão criando sombras e transparências nada
agradáveis do vestido da cantora. Subir aqueles degraus todos com pesado
equipamento era desanimador. O vai e vem na hora do baile provocava tombos e
mais tombos dos mais animadinhos da noite naquela escada “do capeta” como diria
um dos colegas. Numa dessas apresentações, um dos colegas viu um “fodão de seis
pocas” embaixo do palco de madeira. Era o fogão de 6 bocas de um dos festeiros avistado
pelo amigo carregador que tem língua presa. Outra vez, o clube não tinha quadro
de energia e o eletricista contratado pelo local tinha que ligar no 220 da
caixa de força externa. Até aí tudo bem, desde que ele não tivesse ligado no
poste da casa da vizinha e não no poste do clube. Aquela conta deve ter sido
alta. Só soubemos no final do baile! E aquele festival da canção onde a estrela
da noite cantava um rock anos 60 de apenas três frases e dezenas de repetições
do refrão? E aquela cidadã que se revelou um ser unicelular de outro planeta!
Xô ET. Nunca entendi isso! Casais que iam namorar escondidos atrás das pesadas
portas do salão daquele clube. Vocalista que troca o nome da cidade, mas já perceberam
que algumas cidades têm nomes parecidos? Em Minas então??? Tocar com aquela
ex-banda famosa que vivia o ostracismo, abrir shows de outros grupos. Valia a
experiência. O pior de tudo acontecia! Sempre tem aqueles que não tem espírito
esportivo e usam salão de bailes para brigar. Isso era horrível. Parávamos o
som imediatamente. E o medo de uma cadeira ou garrafa perdida? E encontrávamos
cada local, vamos dizer diferente para tocar: Salões no meio de plantação de
tomate, palcos sem proteção lateral que permite a chuva chegar junto, palcos de
festa com o mínimo de pé direito. Festa de rua então é um festival de
gambiarras! Uma corporação militar nos contratou certa vez. Um salão perfeito,
palco um pouco mais alto que os tradicionais, sem a parede do fundo tampada por
uma cortina mega colorida. Resultado: Um dos carregadores, o mesmo que viu o
fogão debaixo do palco, foi se apoiar na parede e cai no camarim, cerca de uns
3 metros de altura. Por sorte, nada acontece. Salões em que o palco é a quina
de dois outros salões emendados, uma obra de arquitetura. Para onde direcionar
o som? Qual a frente do palco? Salões pequenos, palcos minúsculos em que a
aparelhagem não cabia toda em cima. Era muita emoção em todos os sentidos.
Daquela viagem longa, de horas e horas de estrada. Lembro-me bem das estradas vazias, o sol raiando, silêncio na nave. Daquelas cidades em que já éramos
conhecidos da cidade, do clube e do público. Bailes de formatura, serestas,
bailes tradicionais, baladas, festas populares, showmícios, festas de rua de
pequenas cidades em que éramos a atração final de todo o evento. Tocamos em
cima de caminhões, em praças, em escolas, em clubes elegantes, em salões simples
com marca da última enchente ainda na parede, em clubes de diversos tamanhos e
público, do encontro com outras bandas da região nas estradas e nas paradas para um café, um lanche e, claro, muita pegação no pé, tais como.......conto em outra postagem!
Nos vemos, nos lemos!
* imagem: banda free pic
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