quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Conto solto - Tolo de ouro

Nunca fui ligado em etiqueta, mas já fiz questão roupas de marca, tênis da moda, celulares de última geração. Já exigi isso de mim mesmo e com o tempo a gente aprende que isso é bobagem. Na minha fase final de adolescência eu tinha uma correntinha de ouro. Tinha voltado prá casa dos meus pais depois de passar um ano morando com meu irmão numa cidade litorânea onde fiz e ainda mantenho alguns amigos. Foi uma boa experiência viver um pouco mais desgarrado, de alguma forma, com uma liberdade ampliada, porém vigiada, sabe-se, mas os tempos eram outros. Minha volta foi marcada por alguma tristeza porque deixaria para trás amigos que partilhavam de sonhos iguais, com quem dividi muitas experiências interessantes, sentimentos muito fortes dessa faixa etária em que parece que todos os projetos darão certo.
Depois de um bom tempo, resolvo ir passar um final de semana em companhia desses amigos. Me programo todo. Me achava rico com o pouco dinheiro que tinha. Pagaria a passagem ida e volta e alguns pequenos prazeres em companhia desses amigos de lá. Fui. Curti. Na volta, espremi os horários para aproveitar cada segundo do passeio na companhia deles. Pego o ônibus na hora marcada, um dos últimos.  
Teria que fazer uma baldeação (como se chamam as conexões) em uma cidade intermediária e pegaria um outro ônibus que me deixaria a algumas poucas quadras da minha casa. Chegaria no começo da madrugada, um pouco depois da meia-noite. Claro que meus pais não gostaram da ideia. Numa época sem o telefone celular para poder fazer contato com maior liberdade. Na subida da serra, um pequeno acidente atrasa a subida em meia hora, tempo suficiente para eu perder a conexão de volta prá casa. 
Não desisti. Haveria outro ônibus que fosse para o meu lado. Detalhe: grana contada. Cheguei no guichê e não haveria mais ônibus para o meu destino. Pensei. Me informei de quais ônibus iriam sentido São Paulo. Haveria um dali a uma hora em que eu poderia pagar um pouco mais até Aparecida e eu poderia descer na entrada da minha cidade, ainda na rodovia, caminhar um pouco mais e estaria em casa. 
O preço da passagem era bem maior do que eu tinha em mãos. Não hesitei e com receio de passar a noite ali naquela rodoviária, ofereci o único bem maior que possuía ali: minha corrente de ouro. Era fininha, bem leve, modelo simples, mas era o que eu tinha de mais valor naquele momento. Nem passava pela minha cabeça pedir ajuda para parentes daquela cidade naquela hora de domingo. Seria muito mico a pagar e eu saberia resolver aquilo sozinho. Acho que nunca souberam desse episódio.

Fiz negócio com o cara do guichê. Troquei a correntinha pela passagem e ainda fiquei com o dinheiro que eu tinha para comer. Segurei firma naquele final de domingo até um pouco depois de Queluz e apaguei. Passava das 2h. Acordei no susto quando o ônibus parava nos 3 Garças, tinha perdido a entrada de Lorena por causa de 20 minutos de cochilo. 
Resultado: Liguei para casa do orelhão para dizer que já estava ali e o que aconteceu. Ouvi, já sabem!. Eu esperaria o primeiro ônibus por volta das 5h para voltar prá casa. Nunca a hora passou tão devagar quanto naquela madrugada. Eu olhava o relógio a cada meia hora e o ponteiro andava apenas cinco minutos. Perdi tempo, a correntinha, perdi horas de sono e fui trabalhar na segunda super cansado, quebrado. Porém, curti um longo e bom fim de semana com os meus amigos da época.


*imagem: google imagens

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Política de moderação de comentários
A legislação brasileira prevê a possibilidade de se responsabilizar o blogueiro pelo conteúdo do blog, inclusive quanto a comentários; portanto, o autor deste blog reserva a si o direito de não publicar comentários que firam a lei, a ética ou quaisquer outros princípios da boa convivência. Não serão aceitos comentários anônimos ou que envolvam crimes de calúnia, ofensa, falsidade ideológica, multiplicidade de nomes para um mesmo IP ou invasão de privacidade pessoal / familiar a qualquer pessoa. Comentários sobre assuntos que não são tratados aqui também poderão ser suprimidos. Este é um espaço público e coletivo e merece ser mantido limpo para o bem-estar de todos nós.