sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Acabou-se o que era o Doce!

Um dia, a tão almejada prosperidade chega e traz consigo a oferta de trabalho, a segurança, a possibilidade de se manter e constituir família e fazer tudo que prega o figurino do homem moderno. O progresso traz também mudanças, muitas vezes, definitivas para uma população, para uma região, para um país. A tão esperada riqueza acontece e propulsiona a mola do progresso pelo avanço tecnológico. Não se pergunta de como o procedimento é feito, a vilania do capitalismo mascara e omite informações de relevância, que mexe direta e indiretamente com os indivíduos. Estabelece-se um pseudo posicionamento social, colocando pessoas ditas responsáveis em patamares distintos definidos pela hierarquia. O crescimento acontece e dura anos, o modelo é imitado por outros e assim surge uma cadeia de conglomerados moldados pelo mesmo princípio.

Outro dia, tudo se rompe inexplicavelmente e traz à tona um mar de situações inacreditáveis e efeitos que se multiplicam assustadoramente. A fortaleza não se mostra forte suficiente. Se mostra despreparada, frágil. Tão frágil quanto às vidas simples perdidas num mar de lama tóxica que invade o vale e despenca rio abaixo, varrendo sem piedade o que encontra pela frente. Um dos lados da ganância grita a plenos pulmões que a lama não é tóxica, porém peritos encontram quase que toda a tabela periódica dos metais pesados em elevadíssimas concentrações escorrendo sem freios pela calha do rio, vale abaixo. Pessoas se esquivam de seus patamares, incautos, sem ação, como se perdessem a corda de seu mecanismo manipulado.  O vazamento parece trazer à tona as práticas nada convencionais e legais de uso e manipulação do produto desse trabalho. Tudo está comprometido. Vidas, árvores, rios, água e animais. Um expurgo que se arrasta em direção ao mar em ondas caudalosas, mau cheirosas, venenosas, violentas e rápidas. Tão rápidas quanto à ganância, traiçoeira como as fraudes. Uma avalanche de traumas presentes e futuros. Já não se tem mais a terra de onde se tirava o sustento. Perdem-se fortunas em segundos, perdem-se muitas formas de vida, marcadas irreversivelmente numa cicatriz profunda. O fim não está perto, pois ainda é aguardado o encontro desses detritos com o mar e suas consequências e reações. Rio acima, milhões sem poder ter acesso ao bem mais precioso: a água, mais uma vez ela, vítima da cobiça humana. Cobiça burra que serra o tronco da própria árvore em que se estabelece e apoia. Será que a tecnologia não é capaz de processar um mar de dejetos sem os riscos apresentados? Não é capaz de promover outra forma de extração? Procurar culpado? Apontar uma causa natural como responsável? A irresponsabilidade da cupidez humana não pode ficar acima do mal causado às fontes de energia, natureza e tudo aquilo que ela abraça. Não são milhões de reais em multas que irão limpar a alma da lama venenosa. Sentenciado foi o rio, seus afluentes, seu vale, seu povo e tudo que dele se beneficia. Não foi a primeira vez e nem será a última. Tragédia anunciada ao mesmo tempo que velada sob panos quentes dos poucos que sugam  suas tetas. E que fome a deles, não? Anunciada até que outras tragédias ocupem lugar nas mídias e mudem o foco. Até que tudo seja uma esquecida língua ressequida de barro contaminado parecendo o cenário de filmes de ficção. Não é esse barro ao qual retornaremos!! Adianta bater panela? Resolve parar rodovia? Tem serventia cruzar os braços ou destruir qualquer patrimônio? Algo precisa ser feito e cada qual tem sua parcela. Algo muito sério precisa ser colocado em prática antes que tudo se acabe. Acabou-se o respeito às formas de vida, acabou-se o respeito à dignidade alheia, acabou-se o rio, acabou-se o vale, suas plantas,árvores, peixes, pássaros, animais e tudo que nele vicejava. Acabou-se o que era o Doce.

* imagem foto internet da tragédia do rompimento da barreira na região de Mariana MG

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