quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

2º ato!

Algumas situações preocupam quanto ao direcionamento que estamos dando à nossa vida social. Já não bastasse o exercício diário de viver em sociedade, conviver com todas as diferenças, com as doses diárias de respeito, tolerância, compreensão, discernimento para que essa estrutura se mantenha equilibrada, ainda temos que reequilibrar quando de eventos que nos abalam. Estamos num momento de turbilhão de pensamentos, de descontentamento social, político e econômico, diante de uma severa prática de desrespeitos aos direitos humanos, seja na convivência com nosso semelhante do outro lado da rua, seja com fundamentos vazios de política ou religião, além da manifestação da doença a que submetemos a natureza que nos cerca.
Estamos praticando as mais cruéis formas de descaso para com o ser humano, estamos matando de fome, de sede, por falta de acesso à saúde, por desinformação, por grupos isolados de pensamentos e de busca do bem-estar comum, por sectarismo forçado, por intolerância, por desrespeito e, principalmente, por ignorância ( a falta de conhecimento de algo) e também a falta de interesse em conhecer o novo, desvendar o desconhecido, sair da zona de conforto.
Ainda vivemos um retrocesso de saúde pública, em nível mundial: Muitas doenças antes erradicas pelo conhecimento humano estão voltando e, parecem, encontraram uma sociedade despreparada, mesmo em época de alta tecnologia. Bactérias e vírus super-resistentes aos medicamentos, surtos de doenças endêmicas ocorrendo em outros lugares, de maneira inédita, o alastramento de epidemias em velocidades nunca antes vistas, doenças criadas em laboratório, doenças sociais.
Parece que vivemos diante de um grande cenário em que o entulho está todo malocado atrás dos tapumes bem pintados de um falso mundo que pregamos para nós. Parece que os mais necessitados (pelo menos aqueles que estão vivendo uma situação diferente de nós) estão distantes, do outro lado do mundo. Parece as mazelas acontecem apenas dentro dos aparelhos de televisão ou em notícias que circulam pelas redes, onde também há muito descrédito e informação errônea. Há ainda os que se aproveitam em criar falsos alarmes e provocar toda uma situação de alarme. Vivemos ressabiados com pessoas, com ruídos, movimentações. 
Vivemos um descrédito geral, uma desunião até mesmo como ser social, onde a bandeira do individualismo está cada vez mais sendo hasteada, onde a mais natural das manifestações do homem ocorre de maneira velada, sob máscaras, pseudônimos. Algum tempo atrás li uma matéria conspirativa que dizia que o nosso anticristo seria uma nova forma de pensamento. Parece que sim, mas como um pensamento disforme. Pensamentos rasos, sem estofo, sem embasamento. Ficamos reféns de nós mesmo, moribundos crônicos de síndromes que criamos.

O antídoto é o mesmo pensamento, é a desaceleração de alguns processos e a retomada de outros que tragam o equilíbrio cognitivo. É por essa volta que rezo, que peço, que uma luza surja no pensamento humano e nos guie por atalhos mais confortáveis em busca do bem comum. Precisamos sair desse espetáculo de péssimo gosto e recriar um roteiro de nossa história. Tenho fé que vamos conseguir. Me ajuda?


*imagem - depois da tempestade vem a bonança -free pic google

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Let´s dance?

Nunca fui um grande fã do músico David Bowie. Não fui consumidor de seus discos, conhecia algumas de suas músicas, assisti alguns filmes, mas entendia perfeitamente sua performance camaleônica de traços kabukianos ou andróginos. 
Parecia querer mostrar uma não  rotularidade da música, abrir conceitos de como entender e fazer sons harmônicos que traduzem sensações e sentimentos longe dos padrões de um universo impositivo, cruel e capitalista como o mercado fonográfico. 
Entendia sua batida pop e dançante. Entendia sua veia artística ora como produtor, ora ator ( em filmes não muito bons de público e crítica), além de músico. Suas posições diante dos cenários geopolíticos que afetaram o mundo e marcaram o cenário musical dos anos 80, principalmente na Inglaterra dos andróginos, dos darks, dos punks, dos alternativos e mesmo dos non-senses. Mudanças de comportamento que afetaram toda uma geração mundial.
Entendia o que caminho que seguia, primando pela trilha fora dos holofotes, uma maneira tímida e restrita, sendo David Robert Jones.
Fora dos palcos e sets de filmagem era um cidadão comum ( para os seus padrões estabelecidos ), pai de família, com suas excentricidades e particularidades, seus altos e baixos. Qual pop star não foi vítima de escândalos, de paparazzi ou fofocas?
Um homem a frente de seu tempo, livre de rótulos, vanguardista, enigmático, incompreendido, talvez rebelde, com seus porquês justificados em sua maneira de cantar, produzir, entender e interpretar o mundo ao seu redor.
Não fez de sua doença um palco, tratou-a como algo de sua vida privada. Trabalhou até o final do segundo tempo da prorrogação lançando seu último álbum dois dias antes de sua morte.
Virou um Star Man ou mesmo uma pequena constelação, com estrelas tão distintas quanto suas aparências , que convida a todos a dançar.


foto: montagem do autor.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Novo Ano Novo!

Em tempo, amigos desse blog, aproveito o momento e desejar um Ano Novo verdadeiramente Feliz e de realizações pessoais e profissionais para cada um. 
Vamos manter o alto astral, o sorriso, a elegância, a diplomacia, a educação e saber enfrentar as situações todas que foram mal traçadas para nós. 
Sabemos que problemas surgirão, contratempos, surpresas (boas e ruins), mudanças terão que ser feitas e atitudes tomadas, mas que tudo isso seja feito de forma tranquila, bem pensada, bem dosada, planejada e que, assim, consigamos driblar as pedras do caminho e ainda aproveitar para sorrir, estar com família, amigos, quem sabe um novo amor? Com saúde plena, cheios de boas intenções e atitudes, procurando fazer o bem, o certo, o válido. 
Que possamos comemorar, refletir, ensinar, aprender, pedir e principalmente agradecer. Que tenhamos paz, amor, bons momentos, que tenhamos sol, chuva, calor, frio, dia e noite. Que tenhamos respeito, tolerância, confiança, bons modos, dignidade, civilidade, discernimento e disposição para adquirir sabedoria. 
Ah, alguém leu que seria fácil? Não escrevi isso. Então que a gente se permita aprender a usar a inteligência emocional (Sim, nós a temos...eeeeba) e saber optar por essa mudança. Saibam que isso produz um efeito dominó em outros sentimentos e atitudes.
Mas tudo precisa de um começo, até mesmo o ano em que se vive tem um início estabelecido. Precisamos de referências. Que o começo seja agora. 
Dizem que estamos num período de grandes mudanças. A raça humana se encontra numa encruzilhada na trajetória do seu desenvolvimento e há vários caminhos para optar. 
E agora? Volto a dizer que nosso planeta Terra, enquanto ser vivo que é, também passa por transformações. 
Fora as mudanças etéreas, holísticas, espirituais, magnéticas, telúricas e afins , pois tudo é cadeia, tudo está relacionado com tudo.

Que saibamos escolher! Que tenhamos um Feliz Dia-a-Dia Novo!


*imagem: Google free pic bússola

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Conto solto - é de brincadeira,....

Brincadeira de criança sempre tem um gosto de quero mais, uma ausência de perigo e uma irresponsabilidade natural isenta de qualquer maldade. Sempre se ouve dizer dos mais velhos que no seu tempo de criança as brincadeiras eram melhores e mais participativas do que hoje em dia. Que outras seriam impensáveis nos dias de hoje pelo medo coletivo e o excesso de zelo com tudo, que poderia gerar problemas mais sérios. No interior, parece que se curte mais o ato de brincar. Sei de histórias com detalhes engraçados como de um garoto que ao roubar goiaba do vizinho com o filho de outra vizinha, apoia-se em uma cobertura dessas antigas telhas de amianto, sem perceber que as mesmas estão apenas encaixadas e não parafusadas. A queda e o barulho enorme são inevitáveis e acordam o senhor dono da casa, que já de espingardinha de sal em punho, brada que vai matar os moleques. Esses escalam o muro como gatos assustados e não se sabem como passam pelos arames farpados sem nenhum arranhão e batem o recorde de velocidade rua acima. Um deles passa a jato em casa e diz prá mãe que está sendo seguido e jurado de morte. Foram parar no final da avenida que dá acesso à cidade, já na cabeceira da rodovia e voltam com passos contados. Não tinham sido seguidos, não levaram tiros de sal. Chegam em casa e já deparam com uma bronca daquelas com os pais irados por terem que pagar uma cobertura nova por vizinho que não estava no orçamento. Menos mal que não estavam machucados, apenas exaustos da longa corrida de ida e caminhada da volta.
Em outra ocasião, brincam em bandos na rua de casa numa sexta-feira à noite. Já mais tarde, os feirantes do dia seguinte começam a chegar e preparar suas barracas e descarregam muito material. Alguns se aprontam e voltam para as kombis e caminhonetes para dormir cedo. A molecada decide brincar de polícia e ladrão. As caixas ali expostas contêm frutas e legumes e são usadas como parte do jogo. Na brincadeira, se escondendo, alguns moleques enfiam suas mãos por debaixo das lonas e puxam maçãs, carambolas, tomate e correm e comem ali perto o resultado da feira antecipada. Um outro mais afoito, enfia a mão por debaixo da lona e sente algo ao mesmo tempo que ouve o dono da barraca gritar “Ah, moleque safado” e voa como nunca quarteirão acima com o produto roubado nas mãos. Era uma enorme mandioca crua. O que fazer? Esperar que o feirante voltasse a dormir poderia demorar. Então trocam de camisetas entre si e vão devolver dizendo que os moleques do outro quarteirão passaram correndo por ali e largaram no chão. Em recompensa pelo bom ato, ganham uma penca de bananas do feirante sonolento.
Em certa época, a companhia de saneamento decide trocar toda a tubulação de esgoto da cidade criando verdadeiras valas pelas ruas do bairro. São valetas que cortam as ruas na largura do quarteirão resguardando toda a terra retirada para finalização do trabalho. Os paralelepípedos amontoados formam convidativas trincheiras. A molecada munida de muita mamona e estilingue começa uma guerra de grupos, mas a estilingada dói e para não perderem munição, conquistada nas margens do ribeirão, resolvem disputar qual grupo acerta mais grilos e lagartixas nas paredes externas das casas da rua. Resultado: Uma rua inteira com casas manchadas do verde das mamonas em seus beirais, moleques todos doloridos das estilingadas anteriores e alguns vizinhos furiosos com a nova pintura de suas paredes.
Férias são boas e um ótimo momento para se soltar pipas. Idas ao ribeirão para pegar bambu e fazer as varetas, pegar jornal na vizinhança e vender no mercado para comprar linha 10 e papel de seda e fazer a própria pipa com cola de trigo. Passa-se o dia todo na rua debaixo do sol, ignorando os chamados de almoço e pedido das mães para saírem do sol. Já é início de noite e os mais fissurados lutando contra o lusco fusco para tentar enxergar a pipa no céu. No dia seguinte teria mais, Linha sendo enceradas com cerol feito pela galera mesmo que mói vidro e mistura com cola de madeira e passa na linha. Briguinhas no céu e um corre-corre para pegar uma pipa rodando, isso quando no emaranho, a pipa é trazida enroscada recolhendo a linha o mais rápido possível. Cortar e trazer, uma sensação de vitória de boa briga. Mas o tempo resolve fechar e a garoar. As pipas ainda no ar molham seus papeis bem esticados que arrebentam e ficam desgovernadas. Alguns cortam as linhas e deixam a pipa rodar. Quem sabe reaproveitar a armação fica de olho nas maiores para pegar. Numa dessas, uma das grandes enrosca na antena da vizinha faladeira. Telhado úmido e liso. Dois sobem para tentar pegar a pipa enroscada no alto da antena. Conseguem com ajuda de um pedaço de bambu, mas escorregam. O telhado não tem beiral e a única coisa para se segurar é a calha. Essa é trazida inteirinha até o chão segurando os dois moleques que subiram naquele telhado liso molhado pela garoa que caía. Algumas telhas caem e o barulho chama atenção da dona da casa que apronta maior escândalo, gritando para Deus e o mundo. Pipa rasgada na mão, assustados, tiveram, pelo menos, um final de semana inteiro de castigo para fazer mais pipas e começar tudo de novo.
E não acaba por aí.................


* imagem: pipa feita pelo autor


Queimando a Língua!


Não bastassem as agressões cotidianas para com o idioma de Camões, em que se permite sucessivas e agressivas licenças nem sempre poéticas ao nosso português, um dos idiomas mais ricos do mundo e alto grau de dificuldade para ser aprendido, conforme algumas estatísticas, ainda sofremos simbolicamente com um incêndio a um museu em sua homenagem.
Justo numa semana conturbada em que muito se badalou com a inauguração do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, cercado de protestos sobre o fechamento de outros doze museus da capital carioca e o fechamento de institutos de saúde, um conjunto nada harmonioso de descaso público, o estreitamento do acesso à cultura e à saúde pública, tragados pela lama das corrupções.
Nosso Museu da Língua Portuguesa (sim, patrimônio de todos nós), situado no belíssimo prédio da Estação da Luz em São Paulo (ao lado da Pinacoteca do Estado) arde em chamas. Um prejuízo não só pela arquitetura centenária do prédio que ocupa ou pelas instalações modernas desse museu em que palavras e sons cercam o espaço e flutuam pelo ambiente provocando uma imersão total na riqueza da nossa língua. Perde-se, pelo menos temporariamente, um forte elo que mostra, por diversos prismas, a riqueza desse idioma incompreendido. Sim, o português é de fato um idioma que requer um bom estudo para entendê-lo na sua totalidade. 
Flexões que sugerem longas reflexões. Conexões, às vezes, por caminhos mais longos, porém, com uma facilidade poética de moldar palavras e permitir um caimento perfeito ao que se refere. E isso também se perde. Os idiomas mudam num ritmo que acompanham o desenvolvimento dos povos, as misturas, influências, passeiam por modismos, por releituras. E a lavagem repetitiva dessa fina fazenda, esgarça e empobrece o tecido, tornando-o roto. Da “vossa mercê” que virou “você”, que virou “cê” e já se transmuta em “tu” sem a flexão correta.
Triste cena, triste ver o alfabeto ardendo em chamas e palavras desconectas escapando pela fumaça. Que sua recuperação seja rápida e que venha com mais força, venha moderna sem ser vazia, rica sem ser fútil, que venha e se estabeleça e que nos dê voz e que possa ser usada para expressar o que sentimos e somos!


*imagem: uol

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Pé no chão!

A série "Pé na Cova", exibida pela Rede Globo, criada por Miguel Falabella, conta com um grande e excelente elenco, fala de uma família do Irajá, subúrbio do Rio de Janeiro que são proprietários de uma funerária, a FUI, um negócio mal administrado a caminho da falência e que convivem com um grupo,  um tanto quanto surreal de conhecidos e amigos, mas que se dissecando, conseguimos tirar características comuns e até mesmo pessoais de cada um deles. Para dar o tom no sense e humorístico, esses sentimentos são potencializados no sitcom. 
No capítulo do dia 15/12/15 de Pé Na Cova, conta que o Ruço não viaja de avião por achar que o céu não é lugar para ele, além de assuntos que se desenvolvem na trama. Apesar das cenas hilárias e dos personagens surreais da série, todos têm sentimentos humanos (compaixão, amor, desejo, ódio, raiva, cobiça, inveja, carinho, afeto, etc.)  que chegam a ser comoventes em alguns aspectos. 
A cena em que Ruço (Miguel Falabella) conversa com Darlene (Marília Pêra), no quarto, já no final de uma festa em que ela revela que sabia que ele não pegou o avião, mostra uma relação muito curiosa. O casal, separado, que ainda mantém uma cumplicidade dos anos em que viveram juntos, mostra como se conhecem e se completam. É uma relação simples, de respeito sem filosofar sobre respeito, de cumplicidade, sem ter noção do que se divide, de falta de conhecimento, ajudando um ao outro com o pouco que cada um tem. 
A visão simples de Darlene diante da vida e a incongruência cognitiva do Ruço tem seus momentos hilários (quando atribuem a Shakespeare toda e qualquer frase pronta ou dito popular) e mostram que o complexo e o simples são lados da mesma moeda. 
A cena é pequena e tocante, pois os olhos do casal falam por si (daí as grandes interpretações), pedem e oferecem a mão num momento de fraqueza de cada um. 
Ela fugindo sempre, escoando as angústias e amarguras no gim e ele fantasiando e vendo lado bom de tudo quando sua frustração se torna amarga. A fantasia pé no chão (e não na cova) do Ruço para fugir da sua realidade busca caminhos leves para tornar o fardo menos pesado, da mesma forma como ele fantasiou o que “viu” no céu contando para Adenóide (Sabrina Korgut). Curioso como uma série de humor escrachado, de visão estilizada e crítica das mazelas da nossa vida pode ter momentos em que os personagens se mostram tão reais, cheios de uma verdade simplista que nós mesmos temos em nós e que muitas vezes escondemos ou maquiamos (em homenagem à Darlene) por vergonha, defesa, por achar que o básico, o nu e cru não tem importância. 
Vive-se o pé no chão, que é o mais perto da cova. Os limiares!

Nos vemos, nos lemos!


*imagem: logo Pé na Cova

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Conto solto - Prá ver a banda tocar!

Era uma banda. Uma usina não só de som, mas de muitas ideias, teorias, de muitos amigos com participações colaborativas fundamentais para o desempenho dessa trupe. Rodávamos muito pelo sul de Minas, em locais escondidos mesmo para o GPS. Cidades em que mapa mais lembra um jogo da velha: duas ruas na vertical com outras duas na horizontal cruzando e uma praça no meio. Era comum brincarmos e dizer que essas cidadezinhas pareciam fantasmas, pois não havia muita gente pelas ruas, mas na hora do baile, o povo brotava do nada, como se fosse geração espontânea, lotavam os salões e praças. Muita coisa acontecia! Muita mesmo! A banda era boa, tinha seu próprio e novo equipamento, uma galera cheia de vontade de acertar e fazer seu melhor, aproveitando-se daquela experiência única, rica. Tinha até um ônibus próprio, a nave! A gente se sentia meio extraterrestre em algumas ocasiões. Surreais até! Éramos de lugares distintos e tínhamos muita história para contar. Tínhamos um líder, um chefe, que realizava ali um sonho próprio com seus recursos, realizava-se através de cada um e seus filhos, de sangue e os adotados de coração. Ele continua vivo em nossos corações e lembranças. A gente se sentia tão confortável quanto em nossa casa! Cada ensaio era uma aula, uma diversão, um compromisso! Cada apresentação era um trunfo, uma realização! Cada viagem era uma meta a ser atingida. Tínhamos uma liberdade de ideias e a gente expressava tudo isso! Tínhamos uma tal permissão para tal. Rir era sempre o melhor remédio até mesmo quando tomávamos calote de pseudo empresários ou quando fazíamos apresentações para meia dúzia de público, sendo que pelo menos 4 desses estavam conosco na viagem. Tínhamos momentos de superstar quando nosso ônibus era cercado nas proximidades do baile. A gente se sentia. É bom se sentir. Brincar de pop star por breves minutos. Eu rio disso! Vivíamos com papéis nas mãos, algumas fitas k7 na mochila, muitas pilhas e o indefectível walkman, coisas dos anos 90. Éramos a atração principal daquelas noites de baile, mas também éramos roadies de nós mesmos. E quanta viagem fizemos e quantas outras proporcionamos. Digo isso porque a música é meio de transporte! A gente se intimidava com aqueles gritos da fila do gargarejo quando dávamos os primeiros acordes das músicas sucesso da época. Locutores de festa anunciavam a banda cheios de figuras de linguagem e superlativos. O durante era quando tudo acontecia, pois, o baile já tinha um roteiro e repertório pré-definido. Pelo menos quatro horas em que a gente focava na melhor maneira de fazer aquele som. Nas viagens rolavam muitas brincadeiras e, claro, muita pegação no pé. A gente tinha uma cantora na banda, grande amiga até hoje e que naturalmente era assediada pelos bebuns de final de baile para conhecê-la. Eles chegavam na gente e perguntavam se poderiam conhecer a cantora e nosso disfarce – para poupar a amiga desses bebuns chatos – era dizer que tinha que pedir permissão para o “noivo” dela e apontávamos o primeiro colega que estivesse por perto. Colava! Em outras ocasiões em que o cansaço tomava conta e para resumir tudo, éramos uma só família, todo mundo parente de todos. A receptividade nos locais era muito gentil e a gente procurava de toda forma retribuir. Procurávamos saber qual era a música preferida do dono do clube ou do pessoal do restaurante e oferecia para eles na hora do baile. Anunciávamos o aniversário de alguém envolvido na realização do evento ou mesmo atendendo pedidos. Em muitos casos, bem atípicos diga-se, elogiava-se carne de frango pensando que era peixe da região! Foram muitas situações hilárias: choques de algum equipamento mal aterrados, movimentação estranha do palco, tombos por causa da glicerina da máquina de fumaça que esparramava no chão, microfonada na boca provocada por uma tábua mais solta, sustos com lâmpadas que estouravam nos canhões de luz, preocupação em avisar, de modo nada discreto, o iluminador para jogar uma luz melhor para poder acompanhar a letra da música na pasta. Brancos de memória eram companhia comum de todos, sem exceção. Em apresentações mais nervosas, o erro em entrar no tom correto e ensaiado da música era garantia de uma pegação geral na viagem de volta. Pior que gravavam e faziam disso uma leve tortura chinesa na viagem de volta. Cantar Beatles 200 tons mais baixo, Inventar Ilariê, embromation de puro sotaque inglês, tombo do baterista que virou o banquinho ou mesmo levar uma baquetada nas costas acidentalmente durante o baile. Cantar sem retorno de som, descobrir que o clube alterna, sem qualquer aviso, a voltagem do salão depois de determinado horário, discutir com a tal famosa cantora (pero no mucho) quando os showmícios eram permitidos, roubar laranja de alguns quintais nas cidades pequenas, vestir muita roupa nos invernos rigorosos, esquecer de levar o kit de higiene na bagagem (sabonete, shampoo, escova e pasta de ente, desodorante, etc.). Fazer firula com público já animado com as performances do palco. Quando se ganha a plateia, qualquer hurra a mais e motivo de palmas. Estrear microfone sem fio e ir cantar no salão ao lado dos casais dançando na pista. Socorrer o guitarrista quando uma das cordas arrebentava. Ouvir muitos elogios pela performance da banda: O melhor de todos! Valia qualquer centavo e até mesmo passar a noite dentro de um carro quebrado numa estrada vicinal pouco utilizada enquanto se espera (ou vai atrás de socorro). Sem contar a coruja que pousa no capô do carro ou o cachorro que lambe o pé prá fora da janela enquanto o socorro não vem! Depois ficamos sabendo que quem correu atrás do socorro teve que pular muro, arrebentar um varal e fugir de cachorro na tentativa de acordar um amigo que ali morava.  A chuva nos deixou, literalmente, ilhados numa festa de rua de um bairro afastado (zona rural mesmo) de uma pequenina cidade por três dias. Uma vez fomos tocar num clube de 3 andares, um clube que tomava todo um quarteirão cujo salão de festas era o último andar e não havia elevador. A vista do salão para a cidade era bem legal, mas o vento não
deixava parar quase nada de pé. O teto mais baixo obrigou a iluminação a partir do chão criando sombras e transparências nada agradáveis do vestido da cantora. Subir aqueles degraus todos com pesado equipamento era desanimador. O vai e vem na hora do baile provocava tombos e mais tombos dos mais animadinhos da noite naquela escada “do capeta” como diria um dos colegas. Numa dessas apresentações, um dos colegas viu um “fodão de seis pocas” embaixo do palco de madeira. Era o fogão de 6 bocas de um dos festeiros avistado pelo amigo carregador que tem língua presa. Outra vez, o clube não tinha quadro de energia e o eletricista contratado pelo local tinha que ligar no 220 da caixa de força externa. Até aí tudo bem, desde que ele não tivesse ligado no poste da casa da vizinha e não no poste do clube. Aquela conta deve ter sido alta. Só soubemos no final do baile! E aquele festival da canção onde a estrela da noite cantava um rock anos 60 de apenas três frases e dezenas de repetições do refrão? E aquela cidadã que se revelou um ser unicelular de outro planeta! Xô ET. Nunca entendi isso! Casais que iam namorar escondidos atrás das pesadas portas do salão daquele clube. Vocalista que troca o nome da cidade, mas já perceberam que algumas cidades têm nomes parecidos? Em Minas então??? Tocar com aquela ex-banda famosa que vivia o ostracismo, abrir shows de outros grupos. Valia a experiência. O pior de tudo acontecia! Sempre tem aqueles que não tem espírito esportivo e usam salão de bailes para brigar. Isso era horrível. Parávamos o som imediatamente. E o medo de uma cadeira ou garrafa perdida? E encontrávamos cada local, vamos dizer diferente para tocar: Salões no meio de plantação de tomate, palcos sem proteção lateral que permite a chuva chegar junto, palcos de festa com o mínimo de pé direito. Festa de rua então é um festival de gambiarras! Uma corporação militar nos contratou certa vez. Um salão perfeito, palco um pouco mais alto que os tradicionais, sem a parede do fundo tampada por uma cortina mega colorida. Resultado: Um dos carregadores, o mesmo que viu o fogão debaixo do palco, foi se apoiar na parede e cai no camarim, cerca de uns 3 metros de altura. Por sorte, nada acontece. Salões em que o palco é a quina de dois outros salões emendados, uma obra de arquitetura. Para onde direcionar o som? Qual a frente do palco? Salões pequenos, palcos minúsculos em que a aparelhagem não cabia toda em cima. Era muita emoção em todos os sentidos. Daquela viagem longa, de horas e horas de estrada. Lembro-me bem das estradas vazias, o sol raiando, silêncio na nave. Daquelas cidades em que já éramos conhecidos da cidade, do clube e do público. Bailes de formatura, serestas, bailes tradicionais, baladas, festas populares, showmícios, festas de rua de pequenas cidades em que éramos a atração final de todo o evento. Tocamos em cima de caminhões, em praças, em escolas, em clubes elegantes, em salões simples com marca da última enchente ainda na parede, em clubes de diversos tamanhos e público, do encontro com outras bandas da região nas estradas e nas paradas para um café, um lanche e, claro, muita pegação no pé, tais como.......conto em outra postagem!
Nos vemos, nos lemos!

* imagem: banda free pic