
Em outra ocasião, brincam em
bandos na rua de casa numa sexta-feira à noite. Já mais tarde, os feirantes do
dia seguinte começam a chegar e preparar suas barracas e descarregam muito
material. Alguns se aprontam e voltam para as kombis e caminhonetes para dormir
cedo. A molecada decide brincar de polícia e ladrão. As caixas ali expostas
contêm frutas e legumes e são usadas como parte do jogo. Na brincadeira, se escondendo, alguns moleques enfiam
suas mãos por debaixo das lonas e puxam maçãs, carambolas, tomate e correm e
comem ali perto o resultado da feira antecipada. Um outro mais afoito, enfia a
mão por debaixo da lona e sente algo ao mesmo tempo que ouve o dono da barraca
gritar “Ah, moleque safado” e voa como nunca quarteirão acima com o produto
roubado nas mãos. Era uma enorme mandioca crua. O que fazer? Esperar que o
feirante voltasse a dormir poderia demorar. Então trocam de camisetas entre si e
vão devolver dizendo que os moleques do outro quarteirão passaram correndo por
ali e largaram no chão. Em recompensa pelo bom ato, ganham uma penca de bananas
do feirante sonolento.
Em certa época, a companhia de
saneamento decide trocar toda a tubulação de esgoto da cidade criando
verdadeiras valas pelas ruas do bairro. São valetas que cortam as ruas na
largura do quarteirão resguardando toda a terra retirada para finalização do trabalho.
Os paralelepípedos amontoados formam convidativas trincheiras. A molecada
munida de muita mamona e estilingue começa uma guerra de grupos, mas a
estilingada dói e para não perderem munição, conquistada nas margens do
ribeirão, resolvem disputar qual grupo acerta mais grilos e lagartixas nas
paredes externas das casas da rua. Resultado: Uma rua inteira com casas
manchadas do verde das mamonas em seus beirais, moleques todos doloridos das
estilingadas anteriores e alguns vizinhos furiosos com a nova pintura de suas paredes.
Férias são boas e um ótimo
momento para se soltar pipas. Idas ao ribeirão para pegar bambu e fazer as
varetas, pegar jornal na vizinhança e vender no mercado para comprar linha 10 e
papel de seda e fazer a própria pipa com cola de trigo. Passa-se o dia todo na
rua debaixo do sol, ignorando os chamados de almoço e pedido das mães para saírem do sol. Já é início de noite e os mais fissurados lutando contra o lusco fusco para tentar
enxergar a pipa no céu. No dia seguinte teria mais, Linha sendo enceradas com
cerol feito pela galera mesmo que mói vidro e mistura com cola de madeira e
passa na linha. Briguinhas no céu e um corre-corre para pegar uma pipa rodando,
isso quando no emaranho, a pipa é trazida enroscada recolhendo a linha o mais
rápido possível. Cortar e trazer, uma sensação de vitória de boa briga. Mas o
tempo resolve fechar e a garoar. As pipas ainda no ar molham seus papeis bem esticados
que arrebentam e ficam desgovernadas. Alguns cortam as linhas e deixam a pipa rodar.
Quem sabe reaproveitar a armação fica de olho nas maiores para pegar. Numa
dessas, uma das grandes enrosca na antena da vizinha faladeira. Telhado úmido e liso.
Dois sobem para tentar pegar a pipa enroscada no alto da antena. Conseguem com
ajuda de um pedaço de bambu, mas escorregam. O telhado não tem beiral e a única
coisa para se segurar é a calha. Essa é trazida inteirinha até o chão segurando
os dois moleques que subiram naquele telhado liso molhado pela garoa que caía.
Algumas telhas caem e o barulho chama atenção da dona da casa que apronta maior
escândalo, gritando para Deus e o mundo. Pipa rasgada na mão, assustados, tiveram,
pelo menos, um final de semana inteiro de castigo para fazer mais pipas e
começar tudo de novo.
E não acaba por aí.................
* imagem: pipa feita pelo autor