terça-feira, 14 de abril de 2015

"Se eu quiser falar com Deus"

Em uma das noites no núcleo espírita que frequento, o texto e o sermão foram sobre a prece. Essa conexão que fazemos com os seres supremos, com o desconhecido, como agradecimento ou pedido, até mesmo súplica. O nosso falar com essa esfera desconhecida é um dos mistérios religiosos mais usados pelo Homem.  Rezas e orações são proferidas a cada segundo de todos os recantos do mundo. Para quem segue religiões e filosofias cristãs, são embasados nos ensinamentos deixados pela oralidade pelo principal profeta enviado à Terra, o filho de Deus, Jesus Cristo, que ensinou aos seus apóstolos, e demais seguidores, um dos exemplos mais poéticos e próximo da divindade que uma oração possa ter, o Pai Nosso! Uma conversa direta com o Criador! Além de muitos outros ensinamentos de amor ao próximo, de crença, respeito, de caridade, entre tantos.
A oratória, um dos mais belos dons do ser humano, articulação do pensamento que pode expressar tudo aquilo que se sente, que pode dar alguma forma ao abstrato, que faz uma catarse natural de sentimentos que, por vezes, enchem o peito, de alegria ou dor e que precisam ser colocados fora. O direcionamento que se faz ao expressar essas emoções diante do mistério.
Mistério embasado em fé, outro sentimento inexplicável, um acreditar em algo que os olhos não veem, que não se ouve, mas que se percebe, que arrepia, que cala e que muitas vezes se manifesta em um silêncio ensurdecedor, que arrebata, que provoca sensações indecifráveis.
Religiões e filosofias sugerem formas corretas de se fazer uma prece, até mesmo por questões dogmáticas, mas a verdade é passada em uma conexão direta com o divino, em uma forma e linguagem própria, tão pessoal quanto a fé. Estabelece-se um critério nem sempre seguido dada à urgência e necessidade dessa conversa com Deus. Nossas falhas permitem-nos ao atropelo. Muitos seguem alguns padrões estabelecidos de agradecer as graças alcançadas, todas elas: o estar vivo, a saúde, a fé, família, trabalho, entre tantas outras, depois um reconhecimento da pequenez humana diante de Deus, diante de não ser humanamente possível alcançar o que se pede e, por isso, da ajuda divina e, por fim, o(s) pedido(s). Não é uma regra.  O ser humano busca uma lógica, um traçado nesse comportamento. Muitas vezes a prece em silêncio fala mais e mais diretamente. O que de fato importa é a intenção, a verdadeira vontade de que algo mude ou se realize, um desejo espontâneo, real, de encontrar uma solução, um ponto final em alguma questão mais delicada.  Essas intenções verdadeiras é que movem, dentro da esfera humana, a conexão com Deus.
Quando se fala de fé e religião, fala-se de tradição, de pessoas, nações inteiras, fala de História, mas o que “fala” verdadeiramente é o indivíduo no seu encontro pessoal com Deus, uma conversa de filho(a) para Pai, desprovido de qualquer carcaça, cada qual com sua verdade nua, com seu modo de falar, de olhar, de se entregar e se permitir.
Que assim seja!


Se eu quiser falar com deus - LP Luar de Gilberto Gil - lançado em 1981 pela WEA

Gilberto Gil

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos,
 da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar




*imagem: Google imagens "Deus"