quarta-feira, 25 de maio de 2016

Shadow Maria !

Mosaico de algumas das centenas de fotos de Shadow!
Naquele dia eu fui conhecer você. Estava no meio de seus pais e irmãos, quietinha, no canto observando tudo. Era a menorzinha do grupo e calminha. Sentei no degrau e fiquei observando cada um de seus irmãos que brincavam. Você veio de mansinho e parou embaixo da minha perna ao alcance da minha mão permitindo um primeiro cafuné. Isso durou a vida toda, sempre buscava um cafuné demorado! Levei você prá casa, A primeira noite teve um chororô que foi aliviado porque coloquei você para dormir em cima da camiseta que usei naquele dia. Você nunca mais chorou para dormir. Estabeleceu-se uma confiança. O próximo passo foi escolher seu nome. Muitas sugestões vieram à minha cabeça. Um documentário do Animal Planet me deu a ideia de um outro nome. Decidi que você escolheria como seria chamada. Peguei pedaços de papel e escrevi em cada um deles, os nomes que eu tinha em mente e joguei ao chão para que você escolhesse. Você não titubeou e tirou Shadow! Era o nome sugerido pelo programa de tv. Era um documentário sobre labradores que eram treinados para serem cães guia de deficientes visuais. E as pessoas te chamavam de cada coisa né??? Erravam seu nome!! Achei o nome justo, pois diferente dos labradores, você passou a ser minha sombra, me seguindo onde quer que eu fosse naquele apartamento. Vieram as vacinas, ensinar o local do xixi (essa batalha foi a mais longa), o local da comida e da água. Os primeiros passeios na pracinha em frente e as descobertas de pássaros, borboletas, outros cães e gatos da vizinhança, sons e movimentação diferentes de casa. Foram muitas descobertas, sociabilização com os vizinhos e seus “filhos de quatro patas”, passeios pelos quarteirões. Seu pequeno tamanho e charme seduziam a todos. Quando usou seu uniforme de segurança pela primeira era motivo de muitas risadas na rua, pois como poderia ser segurança um ser tão pequenininho como era. Você foi crescendo e as artes dentro de casa também. Quantos rolos de papel higiênico não foram minuciosamente picotados por você? Quantas tiras de chinelos, meias, cadarços, cintos, pano de chão foram arrastados por você dentro da casa. Bastava estar ao seu alcance que puxava e fazia a festa. Quantas vezes você desarrumou a cama puxando pela colcha jogando tudo no chão e ficar deitada em cima? Aprendeu a mexer no lixo e, por isso levava muitas broncas, mas aprendeu que Não é Não (ou quase). Um belo dia acordei de manhãzinha com um barulho e um grito seu. Estava roendo um fio, levou choque e derrubou o abajur na sala. Foi um susto, mas você nunca mais mordeu fios. Seus passatempos eram “assistir” o aquário da sala, correr atrás de pombos, latir para cães muito maiores que você e fugir de sabiás terra que defendiam seus ninhos na pracinha com voos rasantes sobre quem passasse por perto. E como corria naquela praça junto com outros cães que ali brincavam, sempre no mesmo horário. Suas artes de criança me faziam chamar sua atenção e descobri que para isso Shadow é um nome curto. Acabou virando Shadow Maria. Para alguns amigos da época era Shadow Stone porque era mais atraente (risos). Um dia te levei no sítio e, diante de tanto espaço, você correu em linha reta, em disparada, caindo dentro da piscina. Tive que entrar, mesmo no frio, para retirar você. Destemida, logo perdia o medo e aceitava brincar na mesma piscina, navegando em cima de uma prancha de isopor. Fuçadora, aprendeu que abelhas picam e deixam o focinho inchado. Na praia, latia incansavelmente para a onda que cobria meu pé querendo pegá-la com a boca. Entrava mar adentro sem medo. Quanto caixotes não levou. Na volta, dormia de roncar dentro do carro. Quando eu ia de carona, você tinha o costume de vir dormindo no meu colo e cabia inteira, daí você cresceu e continuou achando que cabia inteira no meu colo. O primeiro cio veio e tive que aprender a lidar com isso. A cada seis meses a história se repetia. A saúde estava perfeita. Um erro foi permitir que você, com perninhas curtas subisse as escadas do bloco onde morava. Isso calcificou uma vértebra e com ajuda da acupuntura resolvemos definitivamente seu problema em seis sessões. Um encontro arranjado pelo veterinário que me falou do seu nascimento, um namoro demorado e cansativo com o primo Bóris resultou na sua única gestação de 04 lindos filhotes. Para espanto do Dr. Fernando que jurava que seriam 03 pelo porte. Num raio-x comum, a revelação de um quarto elemento! Você ficou enorme! Parecia uma mini capivara com aquele barrigão. Sem dizer que era uma bomba química e silenciosa. Exatamente 63 dias e na noite de virada de lua você me chamou no quarto às 5h da manhã. Me disse com os olhos para te seguir e fomos para sua "maternidade" improvisada naquela caixa grande de televisor. Ali você deitou e suas contrações começaram. Eu te acalmava passando a mão por sua cabeça e corpo esperando que expelisse os filhotes. Quando o primeiro saiu, você com aquela cara de “e agora?” Dei um leve picote na placenta que envolve o filhotinho e o restante do trabalho foi por sua conta. Veio um, depois outro, mais outro e lá pelas 10h da manhã nasceu a menorzinha de todas, que cabia com folga na palma da mão. Magicamente, você se transformou numa pequena vaca leiteira e aninhava os quatro de maneira confortável entre suas patinhas curtas. Rosnou muito quando o veterinário foi te ver. A casa ficou cheia. Nasceram três crianças pretinhas e um canela claro, respectivamente Negão, Preta Maria, Olívia Maria e Chicão.  Enquanto ganhavam peso e desmamavam, a casa ficou cheia de pequenos seres curiosos, que latiam e choravam em coro. Improvisei o berçário num dos banheiros da casa. Você se mostrou uma bela mãe, sempre atenta, vigiando e brincando com os filhotes e ainda com tempo para demonstrar carinho para comigo. Nas tardes de final de semana, ficar vendo TV deitado no tapete da sala com você aninhada ao longo do meu corpo e seus 4 filhotes dormindo ao redor foi uma experiência que guardo até hoje. Negão foi embora com o pai, Preta e Chicão ficaram na família e lá estão até hoje e Olívia foi para a vizinha. Infelizmente, essa durou pouco porque se contaminou com carne de passarinho morto por causa das chuvas. Dos filhos, Preta puxou a calma da mãe. Sua baixa estatura causava situações engraçadas nos dias de chuva, pois andava em ziguezague fugindo na menor poça possível para não molhar a barriga.  Você cresceu, ficou cada vez mais parceira, alertava dos sons diferentes, rosnava para quem fosse estranho ou não tinha uma boa aura, vigiava permanentemente e até um cumprimento mais forte dos amigos era motivo de um latido de alerta, era a campainha número dois de casa, avisava que estava na hora do meu almoço sem o menor interesse em nada (até parece!!), era um despertador mesmo aos sábados, domingos e feriados, pedia para ir na rua fazer número 1 e 2. Dizem que animais não tem memória, mas por que você choramingava quando a gente se dirigia para o veterinário? Parceira de muitos momentos. Era companhia certeira para qualquer cafuné roubado. Fosse durante o dia, fosse quando eu te puxava pra cama nas manhãs frias de final de semana, fosse no banho, no carro, sentado na pracinha. Qualquer brecha e você vinha, sentava do lado e com a cabeça fazia um movimento pegando a mão e colocando em sua cabeça. Ou até mesmo o pé, roçando seu pescoço. Isso foi a vida toda! .Me lembro de um dia ter chegada completamente exaurido do trabalho e ainda um pouco gripado, cansado. Você me recebeu com a festa de sempre e já pedindo para ir pra rua já pegando a guia com a boca. Nesse dia, olhei bem nos seus olhos e disse que estava cansado e que ia descansar um pouco antes de sair. Deitei no sofá, coloquei você no colo e cochilei. Acordei umas duas horas depois e você roncando ali mesmo, deitada em cima de mim. Tinha entendido a mensagem. Outra vez cheguei muito triste em casa e você me mirou com seus olhos amendoados de cajal, fez um pequeno som e ficou ao meu lado o tempo todo sem fazer qualquer outra firula, apenas companhia. Sempre gostou de roubar uma pontinha de comida. Sua proteção era tanta que até mesmo na piscina, quando eu mergulhava, você ficava correndo em volta, latindo como quem pedisse ajuda para eu sair de lá. Susto levei no dia que você apareceu com ar de vitoriosa chutando um escorpião que, por sorte, estava morto. Outra vez, após um dia chuva, você insistia em farejar algo num canto do lado de fora da casa, latia, apontava o local. Era um camundongo que deve estar correndo até hoje. Sua atividade mais prazerosa era correr atrás de pombos. Quase pegava. Uma vez eu vi que você chegou a encostar na asa de um. Sua cara de vitória era indescritível. Assistimos aos jogos daquela Copa do Mundo de madrugada e aproveitei e ensinei que você lidasse melhor com os sons dos foguetes. Um dia esqueci de repor sua comida e você veio com a vasilha na boca fazendo protesto, me deixando sem graça. Em outro dia você virou e mexeu no lixo de casa. Levou uma bronca daquelas e como protesto fez xixi na porta do meu quarto logo após eu varrer a passar pano na casa. Você era fã de televisão e parava para ver os closes da Giovana Antonela numa novela mais antiga. Latia para algumas músicas do Alejando Sánz e mais de uma vez, veio me avisar que um dos peixes tinha pulado do aquário. Aprendi a conhecer seus sons, suas ações, seus recados e, dessa forma, foi possível manter um contato mais próximo. Passeávamos sem coleira pelo bairro e você obedecia aos comandos de “pare”, “corra”, “atravessa”, “vamos”, “não”. Eu como “pai babão” até música tenho para você. Vendo você dormir ao meu lado, ria com seus roncos e sons dos sonhos, totalmente entregue à minha confiança, fico me perguntando como que algumas pessoas têm coragem de maltratar um animal, seja ele qual for. Como outras pessoas não conseguem entender a natureza e o instinto de um bicho? Claro que me irritava quando você fugia do banho, ignorava meu chamado, fazia escândalo entrando no veterinário nem que fosse para aparar uma unha ou era irritavelmente insistente para ganhar algo. Você conquistou a família toda! Você tem um forte instinto materno e um corpo que responde a isso, sendo que tinha gravidez psicológica a cada cio. Um belo dia o susto de um caroço na sua mama chamou a atenção. Você já não era mais uma menina! Era um caroço bem pequeno, molenga. A veterinária fez um primeiro exame e além dele descobrimos uma outra alteração que poderia estar aderida ao baço. Aquele caroço não estava sozinho e fazia parte de uma rede. Um tipo comum de câncer de mama animal. Meu medo pelo fator idade e o risco da anestesia atrelado ao fato de você estar bem fisiologicamente, me fizeram postergar a cirurgia, uma vez que o caroço era pequeno e não atrapalhava em nada seu dia a dia. Você não teve dor nesse tempo. O pequeno caroço endureceu e estacionou de tamanho; os demais nem eram perceptíveis ou mesmo eram inexistentes. Sua idade também mostrou que a senilidade acomete os animais. Você ficou lenta, mais calma, de muitos pelos brancos, de cios menores, mais secos, uma leve artrite, perda de dentes sem perder jamais a demonstração de carinho e o conversar com os olhos. Isso jamais esquecerei. O muito que seus olhos me diziam. Você lutou pacientemente para se curar de todos os perrengues que a acometeram, tomou todas as vacinas, todos os remédios (cuspiu alguns e fez caretas prá outros). Seu caroço ficou grande e começou a deixar você menos forte, com uma certa dificuldade de caminhar, e você, sem dor, ali paciente e eu angustiado em querer resolver o quanto antes. Difícil decidir por algo em que se corre um risco, ainda mais com quem ensinou uma forma de amor, por quem confia plena e totalmente. A impotência de alguma decisão é cruel! Angustia a gente! Mas meu amor por você me faz te dar dignidade de saúde, de liberdade, de conforto e o risco precisa ser corrido!. Sei que hoje você não reclama de dor, mas sua situação impede de alguns movimentos e o incômodo é perceptível e você ali brava, persistente e mantendo suas funções normais. Até mesmo a função de olhar na direção dos sons estranhos, de vir avisar a hora de comer ou querer roubar um pedaço de qualquer coisa, basta ir na direção da cozinha.
O dia chegou!, os remédios e recomendações em dia, jejum alimentar e hídrico respeitados.
Após algumas horas de ansiedade a boa notícia chega. Tumores retirados! Castrada e sem o baço que também apresentava uma anomalia. Fui "resgatá-la", ainda semi sedada da clínica.  Saí de lá com boas recomendações e uma notícia agradável sobre a o fato de você ter mantido a constância de respiração, batimentos cardíacos e pressão por si só, sem intervenções, o que para a idade ela, seria pouco comum. Com a devida medicação , a primeira noite foi tranquila, sem sustos, assim como as demais. A recuperação animal é mais rápida que a humana e mesmo com um corte longitudinal em toda a barriga do animal, sem uma linha inteira dos mamilos, cumprimos uma primeira parte. Dignidade restabelecida do pequeno ser! Dias ainda de cuidados mais específicos. Dias de alegria, recuperação rápida. Dra. Andréa feliz com a recuperação e a cicatrização sem nenhuma marca, sequela ou queloide. Um ganho de peso em função da castração. Parece que o organismo estava se assentando, até que poucos dias atrás, você foi acometida de um cansaço, uma sonolência, uma dificuldade de caminhar. Recusou comida e até mesmo água dada na boca. Preocupei-me. Queria entender tudo que seu olhar pedia!  A veterinária aponta algumas possibilidades nada animadoras. Temos que seguir em frente. São Francisco há de ajudar, mesmo que a solução seja te levar embora nos braços dele. Eu deixo! Mas não é tão simples! Bate culpa arrependimento de algo, bate sensação de negligência!
Hoje, tudo se concretizou! Você seguiu nos braços de São Chico! Foi em paz!
Me deixou triste aqui! Seu coração parou e você deu o último suspiro nos meu braços! Estava cheirosa ainda do último banho! Me deixou com um sentimento estranho! 
Quando se perde um amigo ou parente humano, a razão nos dá um conforto, uma explicação! Quando se perde um animal de estimação, só há uma relação de sentimentos, não há racionalidade! Somente emoções! Uma certa pureza da parte do animal!  Falar com o olhar! E como você fazia isso!
Não tenho mais a lambida no rosto como beijo! Não tenho mais você dormindo confiante meu colo, não tenho mais você pedindo cafuné, não tenho mais você pedindo pra entrar em casa e vir se aninhar no meu quarto! Não tenho mais você correndo pra cozinha ao primeiro barulho de panela! Não ouço mais seus barulhos, seu latido, seu ronco! Não faço mais a "inspeção" de suas patinhas, orelhas, focinho, mamas e seus pelo multicoloridos. Agora tenho você de um jeito só meu! Minha gorda, minha Sheshe, minha pipoqueira e mais uma infinidade de apelidos que nunca serão suficientes para retribuir essa todo o amor que você me deu. Algo incondicional!
Acredito que os animais também tenham alma! Acredito que essas criaturas, filhas de Deus, tenham o merecimento de um descanso!
E como você bem sabe, Shadow,  tô me lixando para o que possam pensar desse meu desabafo! Empresto aqui sua arfada de desdém!
Esse texto é para você e nossos muitos segredos! Aquele beijo que você sabe como é!
Obrigado por toda a felicidade que me proporcionou! Obrigado em nome de todos daqui de casa que sentem sua falta desde já!

Obrigado aos veterinários: Fernando, Ana Cláudia, Melo, Tonico e Andreia, que cuidaram muito bem da minha filhota ao longo de sua vida.