segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

roupa nova


Numa das muitas voltas que a vida dá, me peguei um dia, pensando seriamente no quanto eu desperdicei esforços em fantasias e máscaras que não traziam nenhum resultado mais concreto para mim, apenas eram usados em momentos criados para disfarçar ou amenizar uma ou outra situação. Fosse uma situação de vulnerabilidade, de desconforto, algum artifício para não deixar nenhum assunto tomar uma conotação ou mesmo uma denotação equivocada, de evitar uma invasão de privacidade, também disfarçada de respeito próprio. Usei disso para evitar qualquer situação constrangedora ou que me forçassem a adotar uma postura ou fazer algo que ia de encontro com a minha vontade naqueles momentos em que eu preferia estar sozinho comigo mesmo sem os tais disfarces. Foram muitos esses momentos. Em família, no trabalho, em rodas sociais. Foram tantas que até mesmo quando estava comigo mesmo eu me consultava sobre a verdade daquele sentimento. Confesso que em momentos eu usava tais artifícios deliberadamente, me sentia confortável com essas armas em mãos. Confesso que durante um bom tempo não revi meu sistema de defesa, nem mesmo o aprimorei. Deixei-me estagnar nessa zona de conforto. Mas o tempo passa. E mesmo com meu aprendizado tardio, acordei a pouco e resolvi limpar o baú dessas fantasias. Tirar o excesso de peso das lembranças de alguns momentos. Resolvi estar mais comigo mesmo. E me vi sozinho! Eu, que tantas vezes escolhi ficar sozinho para ficar comigo mesmo, sem ter que carregar essa ou aquela “fantasia”, de repente me vi sozinho, verdadeiramente nu. O frio da falta daquela roupagem bateu forte. A projeção daquela situação deu medo, pois eu tinha escolhido não carregar mais nada. Então, dividir o que e com quem? Estava cansado de me testar, de fugir, de me apoiar em prazeres fugazes, doloridos até, completamente vazios. Tão vazios quanto sentia meu estômago e me sentia sem o peso daqueles disfarces. Tirei tudo de uma vez só que me peguei num quarto escuro, frio, sem roupa, sem assunto, sem projeção, sem ação. No meu coração, sempre tive a velha convicção de que uma vida não poderia ter aquele destino solitário. Sempre soube que eu tinha capacidade e possibilidade de não me sentir solitário, como muitas vezes senti quando saia e me sentia sozinho mesmo no meio de uma multidão. Por outro lado, movido por essa convicção, eu ainda fazia coisas que muita gente me confessava não ser capaz de fazer sem estar na companhia de outra pessoa. Mas eu pensava nesses momentos que se eu não fizesse daquela forma, não faria de jeito algum. Um sentimento egoísta, eu sei, mas eu estava pensando no meu bem-estar sem estar passando por cima de ninguém. Eu sempre quis encontrar alguém com quem pudesse ser eu mesmo, com todos os meus defeitos e virtudes, com quem pudesse falar do meu jeito repetitivo, explicadinho ou mesmo irônico, curto, seco às vezes, gaguejado ou mesmo sem rodeios, direto ao ponto. Alguém com quem eu pudesse dividir as mesmas experiências, ainda que tendo que lidar com fantasmas do passado e resquícios que esses anos todos de disfarces e armaduras deixaram. Curioso que procurei ser diferente, sendo que eu já era diferente por ser único, por ser eu mesmo, assim como você é. Eu me permiti a recomeçar algumas situações e reviver sensações. Resolvi abraçar um sentimento que eu já tinha dado como certo que jamais se repetiria e que me deixaria levar por ele. Me permiti e acabei acordando, diante de uma real e nova possibilidade, diante um outro universo diferente do meu em muitos pontos, mas com muitas coisas em comum. Ainda bem que não deixei passar essa oportunidade e acatei entrar naquela porta aberta pouco tempo atrás e redescobrir esse cenário. Encontrei quem também se despe, quem tem um histórico de altos e baixos, quem se permitiu moldar por isso e sabe olhar para si mesmo, confiante de que mudanças são possíveis. O meu eu desnudo encontrou o seu eu também desnudo e, dessa forma, estabelecemos um contato real e verdadeiro, onde não apontamos os erros um do outro, falamos de nossas histórias, de nossos pontos de vista, agimos e reagimos naturalmente às situações. Rimos, gargalhamos, choramos, conversamos muito, pensamos bastante, enfim, movimentamos um sentimento igual, cúmplice, recíproco, em que se aprende, que se ensina, que se descobre, que se descortina, que dá embasamento, que reforça, que se valoriza, que se percebe serem sentimentos iguais, de bem querer, de fazer o bem a si mesmo e ao outro. É um encontro de almas nuas, envolvidas nos mais diversos bons sentimentos e o enorme desejo de vivê-las em conjunto, de produzir coisas boas sempre e se permitir crescer envolvidos por elas, e poder se unir sem deixar de ser único. Hoje me vejo nu na frente do meu espelho e não me envergonho! Sei ver umas imperfeições e outras que são o preço que eu pago por escolhas minhas. Sei ver que alguns sentimentos em mim são pequenos e que não levam a nada, mas que ainda tenho que depurá-los e tenho outros tantos reconhecidamente bons que precisam ser compartilhados, divididos. Mas não me vejo sozinho como se fosse o único a buscar tal mudança. Não me vejo sozinho, pois o ambiente está mais claro. Já não caminho sozinho pois tenho boa companhia e aceitei a proposta de um longo caminhar juntos. Um caminhar sem o peso desnecessário de muita coisa, um caminhar de construção e reconstrução, um novo caminhar.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018