quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O legado

Imagens encerramento Rio 2016 - free pic Google
As Olimpíadas acabaram  e muitas situações ocorreram durante o período de preparação e realização dos jogos:
Uma onda descontrolada de indignação tomou forma depois que um suposto provável golpe, trama ou conluio mergulhou o Brasil com os dois pés na lama da recessão, dando fôlego às mais diversas formas de manifestações. A baixa expectativa, a desesperança, o medo, a torcida do contra, o pior sintoma da síndrome de vira-latas, que ostenta suas sarnas como troféu, não foram suficientes para apagar o brilho da realização das Olimpíadas no Brasil. Muitas manifestações manipuladas como esperado e outras tantas sem fundamentos empoderaram a grande massa, dando-lhe força. Viraram os holofotes para a realização da Olimpíadas no Rio de Janeiro diante de toda a corrupção que foi jogada no ventilador, contra  o superfaturamento das obras, falta de pagamento de policiais federais, servidores públicos, problemas estruturais e tantos outros serviços essenciais e de utilidade pública que despertaram o desejo da não realização dos jogos, porém tarde demais. E deram muita ênfase aos problemas que circundavam o evento olímpico. A própria mídia oficial nacional, com sua hipocrisia toda, não media esforços para alimentar esse sentimento antirrealização dos jogos, misturando com suas influências políticas e, ela mesma, depois, se rendeu aos encantos do sucesso dos jogos amenizando seus comentários montados. Uma intensa divulgação da queda de parte da ciclovia Tim Maia em São Conrado, devido a uma forte ressaca, que ocasionou a morte de duas pessoas e abriu os olhos para as obras feitas às pressas e sem qualquer cuidado mais profissional.
O símbolo olímpico chegou e começou a percorrer o País de norte a sul, de leste a oeste. Muitos foram os tombos daqueles que, sem nenhum preparo, carregaram a tocha em seus locais. Uma onça morreu, A tocha andou no asfalto, na terra, nas águas, nos ares. Sofreu tentativas de ser apagada, tramadas pelas redes sociais de maneira aberta. No meu ponto de vista, essa foi uma das maiores falta de respeito para com o símbolo olímpico, os atletas e aos jogos, que eu já tratei em outra postagem. Algumas cidades não engoliram a maquiagem feita pela administração pública, a fim de mascarar a pobreza de seus bairros sem estruturas, para receber a passagem da tocha e promoveram manifestações que acabaram com o evento antes da hora. A segurança da tocha estava em perigo, tanto quanto a segurança dos jogos, depois das ameaças reais de extremistas fundamentalistas com células descobertas dentro da nossa casa, um ineditismo para nosso velho e vilipendiado País.
Depois de muita reclamação quanto à situação dos prédios da vila olímpica, uma maratona de reparos finais e acabamentos de última hora foram feitos para sanar problemas comuns a prédios novos. Boxes sem chuveiros, outros entupidos, assim como vasos sanitários e pias sem água, acúmulo de sujeira, entre outros. Mal sabiam que, ao final dos jogos, os habitantes da vila entupiriam as redes de esgotos com um número inimaginável de preservativos usados. A consciência não deve trafegar em mão única! Como se não bastasse, nos primeiros dias, um foco de incêndio acionou os alarmes. Com a chegada dos bombeiros, concluíram que caixas de papelão deixadas no subsolo e bitucas de cigarro provocaram o pequeno fogo, uma combinação nada agradável para aquele momento.
O COI retirou as religiões africanas do centro ecumênico da vila olímpica! Priorizou as religiões praticadas pela maioria dos atletas (cristianismo, budismo, hinduísmo, judaísmo e islamismo) com cerimônias em português, inglês e espanhol! Alguns torceram o nariz!
Até o mar em Copacabana resolver contribuir para o pré evento com uma ressaca inesperada, invadindo a faixa de areia e a primeira pista da orla, justo no local onde as redes de tv estrangeiras montaram seus estúdios e onde estava a arena de vôlei.
Enquanto isso na Vila Olímpica, a grande fila de lanches gratuitos para os atletas só teve comparação com a quantidade de reclamações quanto à estrutura de alguns apartamentos e infraestrutura do evento.
Novas modalidades foram aceitas pelo COI para os próximos jogos, entre elas o karatê. A seriedade da vigilância do Comitê baniu um atleta indisciplinado.
O ex-jogador e ex-técnico Zagallo, um dos reis do antigo e bom futebol arte brasileiro, emociona-se ao transportar a tocha em cadeira de rodas. Dr Yvo Pitangui, um dos cirurgiões plásticos mais famosos do mundo, também conduziu a tocha e fez desse evento sua despedida terrena, vindo a falecer no dia seguinte.
A equipe chinesa de basquete fica presa em meio tiroteio próximo favela da Maré após desembarque no Galeão. A delegação da Dinamarca é roubada na Vila Olímpica! A falta de segurança chegou a assustar atletas e turistas.
A cerimônia de abertura veio como alento à toda essa tensão e depois do fiasco da abertura da Copa do Mundo. O tema utilizado na cerimônia chamou todo o mundo para a responsabilidade da preservação dos recursos naturais, em que todos nós somos responsáveis. Colocou o dedo na ferida de maneira irreverente. De quebra, mostrou uma história do Brasil mais real, inclusive com crédito a Santos Dumont pela invenção do avião, gerando desconforto nos norte-americanos, e destacou as referências brasileiras de reconhecimento mundial para reforçar nossa identidade de país plural. Mesclou o local com o internacional como forma de tradução da nossa cultura. Um espetáculo emocionante que rendeu excelente manchetes em todo o planeta.
O velho centro do Rio, a região da praça Mauá, Praça XV e porto, agora revitalizados, transformaram-se num pólo de grandes atrativos. Os antigos armazéns viraram pequenos museus itinerantes dos países participantes dos jogos, um enorme calçadão e boulevard cercado de intervenções urbanas e culturais uniram as praças margeando o antigo porto com vista para a Ilha Fiscal, emoldurada pelo exoesqueleto do Museu do Amanhã e colorida pelo maior mural grafitado do mundo feito pelo artista Eduardo Kobra. Ali, estava a inédita pira olímpica popular, uma miniatura da pira acesa no estádio do Maracanã, icônica, modernizada, atual e ecologicamente correta, acompanhando o tema da cerimônia de abertura. Os jogos começaram, de maneira tímida e, aos poucos, foram ganhando o gosto e o cotidiano de toda a cidade e do País. Surpresas, acidentes, recordes, medalhas inesperadas, despedidas e muita emoção marcaram os dias de jogos, transmitidos quase que ininterruptamente pelas emissoras de tv. O país estava representado pela cidade sede, seu maior cartão postal, de braços abertos, deixando boquiabertos milhares de turistas de primeira viagem com a simpatia e alegria de ser do carioca, com a boa comida, com a fartura de possibilidades gastronômicas e turísticas, intensa vida diurna e noturna,  com o calor do inverno, superior ao verão de muitos países participantes, desmitificando a selva, os índios e animais selvagens soltos pelas ruas.(apesar da maior floresta urbana do mundo cravada no meio da cidade).  Uma cidade grande, extensa, envolta em morros, de cara para o mar, mostrando sem pudor suas mazelas, sua poluição, sua pobreza, seus extremos, sua nudez, sua violência (não somente pelos assaltos, mas sim pela discrepância social de sua área urbana). Quem curtiu as arenas, os estádios na zona oeste e as atrações em Copacabana e Baia da Guanabara, pode perceber os extremos sociais gritantes entre a zona sul e as regiões mais carentes, sem deixar de  se apaixonar pela alegria de viver de seus moradores, todos eles. Pegamos gosto por essa convivência e, por mais caótica que fossem as mudanças  para a cidade se ajustar aos jogos, com o zumzumzum de hordas de pessoas, idiomas e sotaques prá lá e prá cá, ainda era possível dar continuidade à vida que seguia: trabalho, escola, família, afazares, etc. Houve quem torcesse o nariz, mas a unanimidade é burra! Acostumamos, todos nós, a inserir o evento em nosso dia-a-dia! Eu mesmo não resisti à contaminação desse clima e fui ver pessoalmente, quase no fim da festa, toda essa agitação, esse corre-corre, esse calor universal que estava entranhado na cidade. Fiquei emocionado, tanto quanto na cerimônia de abertura. No meio daquela multidão, maior que a população da minha cidade, no meio de uma praça e diante de um telão, meu pensamento viajava solto procurando entender cada olhar ali.
Fizemos um grande espetáculo que teve um ingrediente único, uma especiaria endêmica chamada espírito brasileiro que mescla os mais nobres temperos indígenas, europeus e africanos e se recria. Tempero esse recheado de criatividade, de alegria, de luz, de vida, de uma terra banhada de sol. O mesmo sol que com uma lágrima manteve a chama olímpica acesa, não só no estádio, mas ineditamente nas ruas, sem distinção, perto do povo guerreiro, esperto, malandro, malemolente, festeiro, gentil, herói, que sonha com o advento de um país melhor prá se viver. Pessoas que dividem um imenso espaço público para o ver seu time jogando. Éramos milhares de juízes condenando o jogo de um jogador só, azarando os lances do adversário e aplaudindo os acertos da nossa seleção. Fomos um público que torcia pelos azarões – acredito que por reconhecer neles a inferioridade a que são submetidos ou rotulados e por apoio. Pessoas que vaiam como manifesto unânime e uníssono que quer dizer: “sai prá lá”, um bom agouro que funciona como tensão psicológica sobre o adversário, seja ele quem for. Se não há tempero, não se entende essa salada, esse idioma. Se é torcida é festa, se é festa tem som, som faz barulho e somado a milhares de torcedores no quintal da própria casa, esse som é exponenciado e é assim que sabemos fazer. Ainda mais quando o gol é contra aqueles que nos humilharam tecnicamente na última Copa.
Ganhamos pela gentileza, ganhamos por sabermos que não estamos na melhor fase dos nossos problemas internos, mas temos possibilidades de fazer um evento em escala mundial. Conquistamos o mundo temporariamente e mostramos o que somos. Sem vergonha de sê-los! A tal síndrome de vira-latas! Mostramos que mesmo sem uma raça definida, tal qual é o mesclado povo brasileiro, somos fortes , diferentemente iguais e únicos, fiéis às nossas origens, às nossas tradições e cultura, com características próprias e isso sim é o nosso  pedigree.
Mostramos que não somos o país das bananas e da zona generalizada, pois desmentimos na frente do mundo todo, aqueles atletas do chamado primeiro mundo que tentaram usar nossas fraquezas sociais como escudo de seus atos de vandalismo. O preço da mentira foi alto e gerou uma onda de pedidos de desculpas dos compatriotas e outros turistas ao deixar o Brasil.  O bom espírito fez nações inimigas darem as mãos, outros reconheceram as superações de seus maiores adversários. Num gesto nobre, um atleta doou uma de suas medalhas para salvar uma vida, enquanto a família de outro atleta, salvou várias outras vidas com a doação dos órgãos de seu ente querido morto em acidente durante os jogos. Se no quadro geral de medalhas resultamos modestos, fomos ouro cravejado de diamantes na recepção e simpatia popular. Tudo isso somado ao arrepio do nosso belo hino, do efêmero momento cívico, que deveria correr mais forte em nossas veias e fazer a transformação moral, ética, social e política que precisamos para sermos mais cidadãos, para termos orgulho no dia-a-dia e não apenas em festas. Fazer dessa exceção a nossa regra. O tempero já temos, falta o ponto certo do preparo.
A despedida chegou no tom. Fria, chuvosa e chorosa, sofrendo de abstinência de emoção. A cerimônia de encerramento reforçando nossa cultura, nossos sons e ritmos, exaltando a terra. Reafirmando o recado dado de que somos todos um só mundo e precismos cuidar melhor de nós mesmos! A tristeza pelo fim do evento se concretizou em chuva verdadeira e cenográfica que apagou a chama de forma delicada, recheada de símbolos e entregou o bastão dessa modalidade para outro país, outro idioma, outros sons e temperos do outro lado do mundo.
Ainda faltam as paralimpíadas, mas isso é assunto para outra postagem. 
Nos vemos, nos lemos!