sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Conto solto - Prá ver a banda tocar!

Era uma banda. Uma usina não só de som, mas de muitas ideias, teorias, de muitos amigos com participações colaborativas fundamentais para o desempenho dessa trupe. Rodávamos muito pelo sul de Minas, em locais escondidos mesmo para o GPS. Cidades em que mapa mais lembra um jogo da velha: duas ruas na vertical com outras duas na horizontal cruzando e uma praça no meio. Era comum brincarmos e dizer que essas cidadezinhas pareciam fantasmas, pois não havia muita gente pelas ruas, mas na hora do baile, o povo brotava do nada, como se fosse geração espontânea, lotavam os salões e praças. Muita coisa acontecia! Muita mesmo! A banda era boa, tinha seu próprio e novo equipamento, uma galera cheia de vontade de acertar e fazer seu melhor, aproveitando-se daquela experiência única, rica. Tinha até um ônibus próprio, a nave! A gente se sentia meio extraterrestre em algumas ocasiões. Surreais até! Éramos de lugares distintos e tínhamos muita história para contar. Tínhamos um líder, um chefe, que realizava ali um sonho próprio com seus recursos, realizava-se através de cada um e seus filhos, de sangue e os adotados de coração. Ele continua vivo em nossos corações e lembranças. A gente se sentia tão confortável quanto em nossa casa! Cada ensaio era uma aula, uma diversão, um compromisso! Cada apresentação era um trunfo, uma realização! Cada viagem era uma meta a ser atingida. Tínhamos uma liberdade de ideias e a gente expressava tudo isso! Tínhamos uma tal permissão para tal. Rir era sempre o melhor remédio até mesmo quando tomávamos calote de pseudo empresários ou quando fazíamos apresentações para meia dúzia de público, sendo que pelo menos 4 desses estavam conosco na viagem. Tínhamos momentos de superstar quando nosso ônibus era cercado nas proximidades do baile. A gente se sentia. É bom se sentir. Brincar de pop star por breves minutos. Eu rio disso! Vivíamos com papéis nas mãos, algumas fitas k7 na mochila, muitas pilhas e o indefectível walkman, coisas dos anos 90. Éramos a atração principal daquelas noites de baile, mas também éramos roadies de nós mesmos. E quanta viagem fizemos e quantas outras proporcionamos. Digo isso porque a música é meio de transporte! A gente se intimidava com aqueles gritos da fila do gargarejo quando dávamos os primeiros acordes das músicas sucesso da época. Locutores de festa anunciavam a banda cheios de figuras de linguagem e superlativos. O durante era quando tudo acontecia, pois, o baile já tinha um roteiro e repertório pré-definido. Pelo menos quatro horas em que a gente focava na melhor maneira de fazer aquele som. Nas viagens rolavam muitas brincadeiras e, claro, muita pegação no pé. A gente tinha uma cantora na banda, grande amiga até hoje e que naturalmente era assediada pelos bebuns de final de baile para conhecê-la. Eles chegavam na gente e perguntavam se poderiam conhecer a cantora e nosso disfarce – para poupar a amiga desses bebuns chatos – era dizer que tinha que pedir permissão para o “noivo” dela e apontávamos o primeiro colega que estivesse por perto. Colava! Em outras ocasiões em que o cansaço tomava conta e para resumir tudo, éramos uma só família, todo mundo parente de todos. A receptividade nos locais era muito gentil e a gente procurava de toda forma retribuir. Procurávamos saber qual era a música preferida do dono do clube ou do pessoal do restaurante e oferecia para eles na hora do baile. Anunciávamos o aniversário de alguém envolvido na realização do evento ou mesmo atendendo pedidos. Em muitos casos, bem atípicos diga-se, elogiava-se carne de frango pensando que era peixe da região! Foram muitas situações hilárias: choques de algum equipamento mal aterrados, movimentação estranha do palco, tombos por causa da glicerina da máquina de fumaça que esparramava no chão, microfonada na boca provocada por uma tábua mais solta, sustos com lâmpadas que estouravam nos canhões de luz, preocupação em avisar, de modo nada discreto, o iluminador para jogar uma luz melhor para poder acompanhar a letra da música na pasta. Brancos de memória eram companhia comum de todos, sem exceção. Em apresentações mais nervosas, o erro em entrar no tom correto e ensaiado da música era garantia de uma pegação geral na viagem de volta. Pior que gravavam e faziam disso uma leve tortura chinesa na viagem de volta. Cantar Beatles 200 tons mais baixo, Inventar Ilariê, embromation de puro sotaque inglês, tombo do baterista que virou o banquinho ou mesmo levar uma baquetada nas costas acidentalmente durante o baile. Cantar sem retorno de som, descobrir que o clube alterna, sem qualquer aviso, a voltagem do salão depois de determinado horário, discutir com a tal famosa cantora (pero no mucho) quando os showmícios eram permitidos, roubar laranja de alguns quintais nas cidades pequenas, vestir muita roupa nos invernos rigorosos, esquecer de levar o kit de higiene na bagagem (sabonete, shampoo, escova e pasta de ente, desodorante, etc.). Fazer firula com público já animado com as performances do palco. Quando se ganha a plateia, qualquer hurra a mais e motivo de palmas. Estrear microfone sem fio e ir cantar no salão ao lado dos casais dançando na pista. Socorrer o guitarrista quando uma das cordas arrebentava. Ouvir muitos elogios pela performance da banda: O melhor de todos! Valia qualquer centavo e até mesmo passar a noite dentro de um carro quebrado numa estrada vicinal pouco utilizada enquanto se espera (ou vai atrás de socorro). Sem contar a coruja que pousa no capô do carro ou o cachorro que lambe o pé prá fora da janela enquanto o socorro não vem! Depois ficamos sabendo que quem correu atrás do socorro teve que pular muro, arrebentar um varal e fugir de cachorro na tentativa de acordar um amigo que ali morava.  A chuva nos deixou, literalmente, ilhados numa festa de rua de um bairro afastado (zona rural mesmo) de uma pequenina cidade por três dias. Uma vez fomos tocar num clube de 3 andares, um clube que tomava todo um quarteirão cujo salão de festas era o último andar e não havia elevador. A vista do salão para a cidade era bem legal, mas o vento não
deixava parar quase nada de pé. O teto mais baixo obrigou a iluminação a partir do chão criando sombras e transparências nada agradáveis do vestido da cantora. Subir aqueles degraus todos com pesado equipamento era desanimador. O vai e vem na hora do baile provocava tombos e mais tombos dos mais animadinhos da noite naquela escada “do capeta” como diria um dos colegas. Numa dessas apresentações, um dos colegas viu um “fodão de seis pocas” embaixo do palco de madeira. Era o fogão de 6 bocas de um dos festeiros avistado pelo amigo carregador que tem língua presa. Outra vez, o clube não tinha quadro de energia e o eletricista contratado pelo local tinha que ligar no 220 da caixa de força externa. Até aí tudo bem, desde que ele não tivesse ligado no poste da casa da vizinha e não no poste do clube. Aquela conta deve ter sido alta. Só soubemos no final do baile! E aquele festival da canção onde a estrela da noite cantava um rock anos 60 de apenas três frases e dezenas de repetições do refrão? E aquela cidadã que se revelou um ser unicelular de outro planeta! Xô ET. Nunca entendi isso! Casais que iam namorar escondidos atrás das pesadas portas do salão daquele clube. Vocalista que troca o nome da cidade, mas já perceberam que algumas cidades têm nomes parecidos? Em Minas então??? Tocar com aquela ex-banda famosa que vivia o ostracismo, abrir shows de outros grupos. Valia a experiência. O pior de tudo acontecia! Sempre tem aqueles que não tem espírito esportivo e usam salão de bailes para brigar. Isso era horrível. Parávamos o som imediatamente. E o medo de uma cadeira ou garrafa perdida? E encontrávamos cada local, vamos dizer diferente para tocar: Salões no meio de plantação de tomate, palcos sem proteção lateral que permite a chuva chegar junto, palcos de festa com o mínimo de pé direito. Festa de rua então é um festival de gambiarras! Uma corporação militar nos contratou certa vez. Um salão perfeito, palco um pouco mais alto que os tradicionais, sem a parede do fundo tampada por uma cortina mega colorida. Resultado: Um dos carregadores, o mesmo que viu o fogão debaixo do palco, foi se apoiar na parede e cai no camarim, cerca de uns 3 metros de altura. Por sorte, nada acontece. Salões em que o palco é a quina de dois outros salões emendados, uma obra de arquitetura. Para onde direcionar o som? Qual a frente do palco? Salões pequenos, palcos minúsculos em que a aparelhagem não cabia toda em cima. Era muita emoção em todos os sentidos. Daquela viagem longa, de horas e horas de estrada. Lembro-me bem das estradas vazias, o sol raiando, silêncio na nave. Daquelas cidades em que já éramos conhecidos da cidade, do clube e do público. Bailes de formatura, serestas, bailes tradicionais, baladas, festas populares, showmícios, festas de rua de pequenas cidades em que éramos a atração final de todo o evento. Tocamos em cima de caminhões, em praças, em escolas, em clubes elegantes, em salões simples com marca da última enchente ainda na parede, em clubes de diversos tamanhos e público, do encontro com outras bandas da região nas estradas e nas paradas para um café, um lanche e, claro, muita pegação no pé, tais como.......conto em outra postagem!
Nos vemos, nos lemos!

* imagem: banda free pic